A terceira noite de palestras do 45º ENSA discutiu a crise que o Brasil e o mundo enfrentam, agravada pela pandemia de Covid-19. A mesa “Arquitetura e urbanismo em tempos de pandemia e colapso ambiental: futuro das cidades, direito à cidade, cidades inclusivas, crise ambiental e vida humana nas pandemias” teve a participação da arquiteta The post “Combo de crise” exige enfrentamento de movimentos sociais e profissionais appeared first on FNA.Read More

A terceira noite de palestras do 45º ENSA discutiu a crise que o Brasil e o mundo enfrentam, agravada pela pandemia de Covid-19. A mesa “Arquitetura e urbanismo em tempos de pandemia e colapso ambiental: futuro das cidades, direito à cidade, cidades inclusivas, crise ambiental e vida humana nas pandemias” teve a participação da arquiteta e urbanista Raquel Rolnik, do LabCidade da FAU-USP; do advogado popular Benedito Barbosa, da União dos Movimentos de Moradia de São Paulo; de Getúlio Vargas Júnior, da Confederação Nacional de Associações de Moradores (CONAM), e de Socorro Leite, da Habitat Brasil, mediados pelos membros da diretoria da FNA Ormy Hütner e Patryck Carvalho. O Ensa segue até domingo, em formato totalmente virtual.

Abrindo a mesa, Raquel Rolnik (foto) pontuou que a crise em que vivemos é sem precedentes por se tratar de um “combo de crises”. “Isso envolve, em nível global, uma crise ambiental, na medida em que praticamos há 250 anos um modelo hegemônico da relação das pessoas com o território, que também é um modelo político, baseado na produção, consumo e acumulação infinitos”, analisou.

A ideia desse modelo, segundo Raquel, é a subjugação da natureza, pensando nela como algo de onde extrair matérias primas e riquezas para poder crescer. “As relações que não estão baseadas no consumo seriam modelos bárbaros, do passado. São outras formas impossibilitadas de evoluir”, disse, pontuando que essa concepção também construiu a ideia de uma relação estruturada na propriedade individual da terra. “Esse mesmo modelo coloca a produção de nossas cidades em total submissão aos desejos de rentabilidade do capital financeiro global que paira sobre o planeta e busca pousar onde possa ter renda”, criticou.

A pandemia é fruto disso, ponderou Raquel. “Ela é um produto da toxicidade desse modelo, que promove a morte por não proteger fontes fundamentais para a vida como água e ar, e a troca entre os elementos e os humanos”, observou. Por isso mesmo, Raquel reforça que “o pós-pandemia está em disputa”, e conclamou arquitetos e urbanistas a se mobilizarem, “entendendo que a construção de paisagens para a vida é um elemento essencial do exercício profissional e é através disso que construiremos uma nova utopia e cidades voltadas à vida”.

Em seguida, Benedito Barbosa defendeu uma arquitetura inclusiva, ao lado do povo e dos mais pobres, equiparando-a ao direito popular. “Falamos que esse é um direito achado na rua e podemos falar também de uma arquitetura achada na rua”, disse.

Apesar do arrefecimento da pandemia oportunizada pela cobertura vacinal, Benedito pontuou que os impactos da doença são trágicos para as cidades e o povo. “Houve o aprofundamento da desigualdade, da pobreza e da fome, além de um aumento brutal da população em situação de rua”. Isso, segundo o advogado, contribui para a intensificação de ações violentas e de extermínio, como a da comunidade do Salgueiro, em São Gonçalo, no Rio de Janeiro. “Essa é a situação em que vivemos e vamos precisar refletir, os movimentos urbanos, o conjunto de organizações, universidades, que se juntaram na agenda do direito à moradia.”

Contudo, reforçou que a unidade desses movimentos foi fundamental para fortalecer a agenda urbana no Brasil, articulada também com os movimentos do campo. “Teremos de ter força para resistir à possível avalanche de despejos, caso não consigamos avançar com uma dilatação de prazos”, alertou.

O terceiro a palestrar foi Getúlio Vargas Júnior, presidente da CONAM, que traduziu em números o cenário apresentado previamente por Benedito, com dados da campanha Despejo Zero – um dos vencedores do Prêmio FNA 2021 – no período de março de 2020 a outubro de 2021.

Vargas contou que as missões recentes da campanha em Manaus e Fortaleza examinaram cenários diferentes que refletem o mesmo interesse do capital nas comunidades, do privado sobre o coletivo. “Fazer a cidade e a propriedade cumprirem sua função social é o objetivo de ganhar a batalha para consolidar a cidade como uma construção coletiva para além do conceito da cidade-mercadoria”.

No período levantado pela campanha, mais de 123 mil famílias estiveram ameaçadas de remoção, das quais mais de 36 mil estavam em São Paulo. No Amazonas, onde cerca de 19 mil famílias estavam sob esse risco, Vargas disse que percebeu fortemente a ação da grilagem, muitas vezes com a conivência e participação do próprio poder público. Dessas ameaças, cumpriram-se cerca de 23,5 remoções em todo o país.

Por outro lado, Vargas também mostrou a força da mobilização dos diversos atores da campanha que, no Brasil inteiro, conseguiram evitar a remoção de 11.280 famílias. “Elas não estão na rua por ora. Comitês locais, conselhos de direitos humanos, advogados populares e a mobilização da população. A campanha Despejo Zero foi a catalizadora de diversas iniciativas”, lembrou.

Vargas também falou sobre a ADPF 828, ação cautelar que suspende por seis meses ações de despejo e remoção, e também a resolução 10, de 2018, e a resolução 17, que impede os despejos administrativos. Porém, também alertou para a saída de vigor da ADPF 828 em 3 de dezembro. Sobre isso, disse que o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), do qual também faz parte, está se manifestando por uma prorrogação que impeça essas remoções. A lei do despejo zero também sairá de vigor em 31 de dezembro e Vargas teme que haja “uma enxurrada de despejos” caso não haja algum tipo de prorrogação ou articulação para tal.

Por fim, a arquiteta Socorro Leite, do Habitat Brasil, salientou que a realidade das remoções não é nova. “O que vemos na periferia são gerações e gerações de pessoas negras e indígenas que vivem nessa luta constante pelo direito à cidade”, expôs.

A crise deflagrada pela pandemia mostra uma realidade ainda mais cruel porque os programas habitacionais, que, segundo Socorro, já “eram muito dependentes do recurso federal” agora inexistem. E lembrou que “muitas vezes, em várias reintegrações de posse, o despejo acaba gerando imóveis vazios”. “O momento é de a gente resgatar o contraponto de tudo isso, relembrar dessa cidade que defendemos, que é uma cidade do bem comum e do espaço de solidariedade. Fundamentalmente, a organização popular é que promove a disputa pela cidade, da luta por direitos, e ela precisa ser fortalecida”, concluiu.

Imagem: reprodução You Tube FNA

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