“Todos os mundos, um só mundo, Arquitetura 21”. Foi oficialmente iniciada nesta segunda-feira (22/3) a programação do 27° Congresso Mundial de Arquitetos, com a Semana Aberta do UIA 2021 Rio. Com uma agenda inicial de debates virtuais que se estende até o dia 25/3, quinta-feira, esta primeira semana aberta traz o eixo temático ‘Fragilidades e Desigualdades’. Outros três grandes temas -“Diversidade e Mistura”, “Mudanças e Emergências”, “Transitoriedades e Fluxos” – vão ser abordados nas semanas de abril, maio e junho, programação que culmina com a realização do Congresso Mundial, de 18 a 22 de julho de 2021.
Dando as boas-vindas aos participantes, o presidente do Comitê Executivo do UIA 2021 Rio, Sérgio Magalhães, destacou que a pandemia evidenciou a necessidade de se repensar o ambiente construído e, por isso, o congresso surge em um novo desenho no período de março a junho justamente para ampliar a reflexão sobre o tema. “Em julho vamos coroar de forma propositiva o que queremos para as cidades do século 21, com arquitetos e urbanistas atuando por cidades melhores, inclusivas, sustentáveis e, sobretudo, menos desiguais”, disse. Thomas Vonier, presidente da UIA, reforçou que da forma como foi proposto, o congresso estende seu apelo e suas orientações ao mundo todo. Para a presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Maria Elisa Baptista, é se de comemorar que no ano de seu centenário, o instituto possa explanar a sua luta permanente por liberdade e democracia em um espaço de debates que almeja um mundo mais generoso a povos e culturas diferentes.
A presidente da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA), Eleonora Mascia, ressaltou que o evento traz para o debate importantes temas, como os desafios do mundo do trabalho, na atual condição global, e a implementação da ATHIS na busca de cidades mais justas e democráticas. Esses dois temas terão ampla discussão em painéis propostos pela FNA e os Sindicatos de Arquitetos e Urbanistas. Já o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, enfatizou a importância de a cidade ser a capital mundial da arquitetura, com um patrimônio cultural de mais de cinco séculos que contrasta com o avanço da urbanização. “O Rio é um lugar inspirador para a solução de metrópoles no mundo todo’, afirmou.
O primeiro debate da Semana Aberta teve como convidada Fabienne Hoelzel, arquiteta e urbanista com passagem pela Secretaria Municipal de Habitação (Sehab) de São Paulo e pelo Programa de Urbanização de Favelas. Fundadora do Fabulous Urban, escritório de Design Urbano e Pesquisa com sede em Zurique, Suíça, e filial em Lagos, Nigéria. Fabienne comentou no debate o projeto Makoko Neighbourhood Hotspot, um centro comunitário polivalente que faz uso de biogás, além de sua experiência com projeto em Lagos. Em sua participação, enfatizou que o planejamento urbano do futuro acontece agora, e isso é algo que precisa ser considerado. “Precisamos deixar de lado que o futuro das cidades está mais ali na frente. Não, ele acontece agora.” E citou como exemplo a África, continente onde o crescimento urbano por hora atinge 85 pessoas, enquanto em cidades como Rio e São Paulo, são de 10 e 18 pessoas, respectivamente. Em seus projetos desenvolvidos na África, percebeu a capacidade que as comunidades locais têm em construir suas vidas em microescalas. “Vemos espaços não planejados, comunidades informais, mas, no entorno, uma lógica que inclui escolas e hospitais. Ou seja, você encontra lógica num espaço mesmo sem planejamento urbano”, enfatizou a profissional que atua em regiões de baixo desenvolvimento buscando também a possibilidade de que as intervenções locais realizadas despertem uma abordagem política e uma sensibilização dos governos.
A segunda convidada foi a historiadora e socióloga Maria Alice Rezende de Carvalho, que fez uma análise sobre as intervenções urbanas em favelas no Brasil dentro de um contexto político. A convite da FINEP ela participou da avaliação da primeira fase do Favela-Bairro, um dos mais destacados programas de urbanização de favelas, iniciado na década de 1980.Mais de 20 anos depois, a pedido do Instituto de Arquitetos do Brasil, ela elaborou um manual para ajudar os escritórios de arquitetura em seus diagnósticos sociais. Maria Alice focou sua apresentação no programa Favela-Bairro capitaneado por arquitetos e urbanistas cariocas nos anos 1990, na pós Constituinte. A proposta consistia em dar cidades a unidades habitacionais já existentes, mantendo os investimentos feitos pelas famílias no local. “A ideia era estabelecer no entorno alguns bens de cidades, os chamados pontos de respiração, como pracinhas e outros lugares de convivência”, diz. Um diagnóstico feito junto às comunidades mostrou, no entanto, que os moradores não se sentiam pertencentes aos bens da cidade – postura ainda decorrente dos anos de repressão que estavam há pouco tempo longe da realidade deles. “Isso mostrou que a democracia exige tempo e experiência para ser absorvida e confiável.
Os moradores viviam em circunstância defensiva e não havia uma força local reivindicando cidades mais inclusivas’, destaca a socióloga. Em um outro programa social implantado 20 anos depois, o Morar Carioca, o cenário já era outro: alguns problemas associados ao Favela-Bairro tinham sido superados, como o da posição defensiva, por exemplo. A ideia é que ao invés de serem tirados de suas casas e deslocados para longe de suas fontes de sustento ou redes de amizades, os moradores desses locais tenham a oportunidade de continuar onde sempre moraram e, ao mesmo tempo, serem inseridos na sociedade. Uma equipe de arquitetos e sociólogos se deslocavam até as comunidades e faziam pesquisa de campo com a população; ou seja, perguntas aos moradores, analisavam a situação das favelas e, em cima, desta convivência, criavam uma sugestão de projeto, para, logo em seguida, submetê-lo ao julgamento dos residentes para ser aprovado ou não.
Como recado, Maria Alice pontuou a importância de munir as comunidades de informações para que elas possam decidir sobre o que querem. “Muito mais do que ouvir seus interesses, o papel de agentes como arquitetos, sociólogos, universidades e intelectuais locais é pensar junto com as pessoas da comunidade”, sustentou.
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