O juiz Ed Lyra Leal, da 22ª. Vara da Justiça Federal do Distrito Federal, deu ganho de causa ao Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil em ação movida, em 2017, contra a Construtora Andrade Gutierrez, condenando a empresa pela divulgação, por três meses, em diversas emissoras de rádio, de “spot” publicitário considerado difamatório contra a categoria de arquitetos e urbanistas por caracterizá-los como negligentes, imperitos e irresponsáveis. A sentença é datada do último dia 9 de novembro, dela cabendo recurso.
O áudio repudiado pelo CAU/BR é o episódio “O contrato vale para todo mundo”, da série “A melhor maneira de agir”. A peça publicitária simula o diálogo de dois homens onde se transmite a ideia de que o arquiteto responsável pelo projeto e construção da casa de um deles, “inverteu” a posição do banheiro de sua esposa; não reconheceu seu suposto erro recusando-se a corrigi-lo; não cumpriu o contrato assinado com o cliente e foi responsável pelo “tempão” de duração da obra. E ainda o iguala a políticos corruptos.
Na ocasião, a FNA também manifestou publicamente seu repúdio à campanha. Em 24 de maio de 2017, a 7ª Câmara do Conselho de Ética do CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) já decidira, por maioria de votos, aplicar uma advertência contra a construtora, em razão da mesma campanha, em atenção a denúncias feitas por diversos profissionais, inclusive o presidente do CAU/BR na ocasião, Haroldo Pinheiro, conselheiros federais e dirigentes de outras entidades do setor.
Em sua sentença, o juiz afirma “Pelo exposto, e notadamente diante da penalização do CONAR, tem-se por caracterizada a conduta ilícita da empresa demandada, que deixou de respeitar o direito à reputação profissional da coletividade dos arquitetos e urbanistas. Ao representá-los em peça publicitária de sua responsabilidade, a ré não se atentou para as consequências negativas do texto veiculado em emissoras de rádio em relação a essa categoria”.
A sentença condena a Andrade Gutierrez a:
a)a veicular mensagem publicitária — a ser elaborada pelo CAU/BR e devidamente aprovada pelo Juízo (em sede de cumprimento de sentença) — a qual esclareça a sociedade sobre a importância, participação efetiva e responsabilidades dos arquitetos e urbanistas na elaboração de projetos arquitetônicos (de edificações) e na execução de obras, devendo dita mensagem guardar correlação de tempo e forma com o “spot” aqui havido por ofensivo aos arquitetos e urbanistas, e ser veiculada nos mesmos veículos, horários e em quantidades com que foi veiculado o “spot. ofensivo aos arquitetos e urbanistas;
A empreiteira, uma das maiores do país, foi a primeira a assinar acordo de leniência com o Ministério Público Federal, em maio de 2016, por seu envolvimento em atos de corrupção descobertos pela Operação Lava-Jato. Na ação que moveu contra a empresa, o CAU/BR afirmou que ela “não tem o direito de, com o intuito de resgatar a credibilidade afetada pela participação em ilícitos, ofender a credibilidade e respeitabilidade de toda uma categoria profissional”.
O “SPOT”
Degravação do episódio “O contrato vale para todo mundo”, da série “A melhor maneira de agir”, da campanha veiculada pela Construtora Andrade Gutierrez em emissoras de rádio nacionais:
Locutor: Grupo Andrade Gutierrez apresenta: A melhor maneira de agir. Episódio de hoje: O contrato vale “pra todo mundo”
Personagem 1: Fala Carlos! Como que vai a obra na sua casa?
Personagem 2: Rapaz você nem acredita. “Tava” tudo indo bem até começar o banheiro da suíte. O problema tinha que dar justamente no banheiro da Silvia.
Personagem 1: Imagina a cara dela. Mas “que que” deu de errado?
Personagem 2: Não é que eu fui ontem ver a obra e o projeto “tava” todo invertido e o arquiteto disse que não vai voltar atrás.
Personagem 1: Mas “pera”ai, como assim? O projeto não foi assinado pelo arquiteto?
Personagem 2: Claro que foi, mas a obra já “tá” durando um tempão…
Personagem 1: Mas o contrato serve justamente “pra” garantir que todo mundo tenha seus direitos assegurados. Você não pode se intimidar com arquiteto não!
Personagem 2: Você acha?
Personagem 1: Não é legal que uma das partes dependa da boa vontade da outra para ter seus direitos garantidos. É assim também em grandes obras. Se o contrato é desrespeitado e a empresa não tem a quem recorrer, ela fica dependendo da boa vontade de um político. Olha, normalmente isso termina muito mal.
Personagem 2: Não, você tem toda razão!
Personagem 1: Quem sabe o Governo não ouve essa nossa conversa.
Locutor: Funciona no seu dia-a-dia, funciona nas empresas, funciona para o Brasil. Um oferecimento Andrade Gutierrez.
SENTENÇA
A sentença do juiz Ed Lyra Leal acompanhou manifestação favorável do Ministério Público Federal, que teve vista aos autos uma vez que se trata de ação coletiva.
“Da análise dos autos, notadamente da transcrição dos dois spots questionados pelo Conselho requerente, constata-se que, de fato, a peça publicitária teve o condão de ofender a dignidade do exercício da profissão de arquiteto e urbanista. Com efeito, no diálogo entre os personagens do spot, é estabelecida uma relação direta entre as situações adversas enfrentadas por um deles e o trabalho planejado e executado por um arquiteto.
Embora no spot tenha se idealizado uma situação problema com sua respectiva solução, apresentando como mensagem final a necessidade de exigir o fiel cumprimento dos termos contratuais, a peça veiculou também uma mensagem negativa relacionada à categoria profissional dos arquitetos e urbanistas, ao estabelecer um liame causal direto entre a atuação do arquiteto, a sua postura antiprofissional e os graves problemas enfrentados por um dos interlocutores.
O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR), em procedimento administrativo deflagrado em razão de queixas de consumidores, reconheceu que a empresa requerida infringiu as normas estabelecidas no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, tendo aplicado, por isso, a penalidade de advertência.
A propósito, dispõem os artigos que lastrearam a aplicação de sanção pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) em face da Andrade Gutierrez S/A:
Artigo 1º Todo anúncio deve ser respeitador e conformar-se às leis do país; deve, ainda, ser honesto e verdadeiro.
Artigo 3º Todo anúncio deve ter presente a responsabilidade do Anunciante, da Agência de Publicidade e do Veículo de Divulgação junto ao Consumidor.
Artigo 6º Toda publicidade deve estar em consonância com os objetivos do desenvolvimento econômico, da educação e da cultura nacionais. Artigo 19 Toda atividade publicitária deve caracterizar-se pelo respeito à dignidade da pessoa humana, à intimidade, ao interesse social, às instituições e símbolos nacionais, às autoridades constituídas e ao núcleo familiar.
Artigo 20 º Nenhum anúncio deve favorecer ou estimular qualquer espécie de ofensa ou discriminação racial, social, política, religiosa ou de nacionalidade.
Artigo 50 Os infratores das normas estabelecidas neste Código e seus anexos estarão sujeitos às seguintes penalidades: a.advertência; b.recomendação de alteração ou correção do Anúncio; c.recomendação aos Veículos no sentido de que sustem a divulgação do anúncio; d.divulgação da posição do CONAR com relação ao Anunciante, à Agência e ao Veículo, através de Veículos de comunicação, em face do não acatamento das medidas e providências preconizadas.
Conquanto tenha sido aplicada a penalidade mais branda, é certo que sua imposição pressupõe o reconhecimento da conduta antijurídica da empresa pelo órgão de autorregulamentação publicitária. Reforça desse modo a plausibilidade das alegações do Conselho.
Quanto ao dano moral coletivo, ensina Carlos Alberto Bittar:
[…] é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado circulo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao ato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absoluta injustificável do ponto de vista jurídico: quer isto dizer, em ultima instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial. Tal como se dá na seara do dano moral individual, aqui também não há que se cogitar de prova da culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelo simples fato da violação” (BITTAR, Carlos Alberto. Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro, Revista do Direito do Consumidor, v.12).
Pelo exposto, e notadamente diante da penalização do CONAR, tem-se por caracterizada a conduta ilícita da empresa demandada, que deixou de respeitar o direito à reputação profissional da coletividade dos arquitetos e urbanistas. Ao representá-los em peça publicitária de sua responsabilidade, a ré não se atentou para as consequências negativas do texto veiculado em emissoras de rádio em relação a essa categoria.
O ato ilícito, ainda que culposo, ensejou significativa e intolerável lesão a valores extrapatrimoniais da coletividade de arquitetos e urbanistas, atingindo a esfera extrapatrimonial desse grupo. Presentes, portanto, os requisitos para a pretendida reparação civil, nos termos dos arts. 186 e 927 do Código Civil”, quais sejam: a conduta culposa do agente, o dano moral coletivo e o nexo de causalidade.
O montante de R$200.000,00 (duzentos mil reais) referente ao valor de indenização, apontado na inicial, mostra-se adequado. De fato, esse valor é compatível com o patrimônio liquido da empresa em 2016, o qual, segundo o Relatório da Administração” perfazia R$2.325.463.000 (2 bilhões, trezentos e vinte e cinco milhões, quatrocentos e sessenta e três mil reais). Esse valor mostra-se ainda adequado tendo em vista a dimensão da lesão, de proporção nacional, ante a veiculação do spot em emissoras de rádio de todo o País, por cerca de dois meses, entre janeiro e março de 2017*.
Pertinente, no entanto, que se reverta tal quantia não às entidades nacionais de arquitetos e urbanistas a que se refere o art. 61 da Lei nº 12.378, de 31 de dezembro de 2010º, mas sim, ao próprio Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil, que tem atribuição para “zelar pela dignidade, independência, prerrogativas e valorização da arquitetura e do urbanismo”, sendo competente, por conseguinte, para executar ações de esclarecimento à sociedade sobre a atuação e responsabilidade dos arquitetos e urbanistas. O valor poderia ser revertido, igualmente, ao Fundo para Reconstituição de Bens Lesados de que trata o art. 13 da Lei nº 7.347/1985”.
Razoável, outrossim, a imposição da obrigação de fazer pleiteada pelo Conselho autor para que a empresa veicule contrapropaganda. É não só possível, como aconselhável, que se imponha a reparação do dano moral coletivo por meio de obrigação de fazer. O art. 3º da Lei º 7.347, de 1985, estabelece que “a ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer”. A veiculação de tais informações ao mesmo público que foi submetido ao conteúdo danoso é meio eficaz para reparar em parte a lesão constatada, já que se contrapõe à mensagem negativa sobre os arquitetos e urbanistas”.
*Com informações do CAU-BR
Foto: lamontak/Istock
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